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7/3/2018 1 Comentário

capítulo 1.

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Chegou a Portugal em 2015, através do programa Erasmus, e ficou até hoje nas Caldas da Rainha, após ter vivido toda a sua vida em Parga, Galiza. Sempre soube que estaria ligada a algo com um vínculo criativo, pelo que seguiu os seus estudos no curso de Comunicação Audiovisual na Universidade da Corunha. Mas foi apenas nas Caldas, após ter terminado a licenciatura em Som e Imagem na ESAD, que percebeu, pelo menos, aquilo do qual não gostava

Conversa gravada a 06/01. ​Acompanhada por
PLAYLIST DE INMA

​​Quem é a Inma Veiga?

​Nunca sei por onde começar com essa pergunta porque não sei como me definir. Mas a Inma é uma rapariga de 22 anos que está um bocado perdida na vida, na verdade. Originária da Galiza, mas que ainda não encontrou o seu lugar no mundo. Nas Caldas sinto-me em casa e às vezes não. Talvez possamos começar por aí. Eu vou até lá [Galiza] e sinto que me falta alguma coisa, mas estou cá [Caldas] e sinto que me falta qualquer coisa também.

Se calhar ainda não sabes onde é a tua casa. Ou talvez não tenhas necessariamente uma casa.

 Sim, acho que é por aí.

​E isso assusta-te?

Não, isso é o que talvez mais gosto. Gostava de acreditar que vou ter várias casas ao longo da minha vida e não que esta se vai assentar num só sítio, porque me canso bué rápido desses sítios. Adoro ter a emoção de chegar a um sítio novo, mas canso-me facilmente. Cansei-me de Corunha. Gostava muito dos meus amigos e da vida que tinha lá, mas sinto que precisava de uma mudança. O que me fez realmente sair de Espanha, principalmente, foi a escola. Eu sinto que lá nunca conseguiria desenvolver criativamente o que cheguei a desenvolver cá. Não sei se conseguiria ter uma curta e levá-la a festivais. Eu não sabia muito bem o que queria fazer da vida e quando cá cheguei descobri que não era aquilo de comunicação mais virada para empresas. Eu não estava feita para aquilo.  Foi preciso dar tantas voltas e acabar noutro país para perceber o que eu queria. Eu sabia que o Erasmus era uma oportunidade de viver uma experiência com a qual só sairia a ganhar, o que não esperava nada era vir até cá e ficar. Lembro-me de que, quando estávamos a sair da primeira casa onde vivemos, eu e a Antía [grande amiga de Inma] saiu da casa de banho a chorar e a dizer "Nós não podemos bazar de cá!" e nós estávamos muito unidas, quase como se uma desse o passo, a outra também daria. Acabámos por ficar e foi muito mais fácil assim.

​​Falando em curtas. Lançaste uma o ano passado que foi bastante bem-recebida. Fala-me sobre isso. ​

Fiz duas curtas. Quando comecei a perceber que valia algo enquanto realizadora foi com a primeira curta que realizei, Mulher Cato. Começou sem ideia, foi só experimentação e intuição e correu bem. Isso deu-me vontade de ir para projeto final. Fiz a curta com o meu irmão [brthr], porque sempre tivemos uma relação muito especial e eu senti que isso se poderia retratar e ajudar pessoas a sentirem-se identificadas. O processo foi difícil porque eu só consigo pensar no momento de montagem, em que tenho as imagens e é como magia, sei que é aquilo que eu quero. Demorei um bocado a encontrá-la e sinto que o filme se fez um bocado a si próprio. Lembro-me de uma aula de tutoria, e ainda bem que só estava uma pessoa na sala porque comecei a chorar porque pensava que não ia conseguir. O professor dizia-me que eu tinha coisas muito boas e que ia ser capaz, mas é esse pensamento que tenho quase sempre colado à minha cabeça: “Tu não consegues”. Ainda que acabe por provar que realmente consigo, vencer esse pensamento é muito difícil.
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​"Eu já não quero voltar a ter o corpo perfeito. Quero ter um corpo livre, quero aceitá-lo." 

É essa a questão.
​A questão da autoconfiança, da autoestima, do acreditar que não consegues. Sei que é um assunto difícil para ti, mas gostava que falasses abertamente acerca disso.

É mesmo muito complicado. Sinto que tenho de voltar muitos anos atrás. A questão da autoestima começou sobretudo pelo meu físico, como começa com todas. Quando é que tu te apercebes que não gostas do teu corpo? Quando começas a sentir as mudanças. Quando eu era criança, talvez não era a mais bonita nem a mais magra, mas eu pensava que todas éramos bonitas e nem me preocupava com isso. Mas depois chegas ao secundário e queres vestir a roupa que vestem as tuas amigas, da Bershka. Queres que os miúdos comecem a reparar em ti. São coisas que a sociedade te vai metendo na cabeça desde pequena. Desde criança que és bombardeada com anúncios que te dizem que tens de ser isto ou aquilo. Penso que a competitividade entre mulheres começa aqui, quando achas que tens de ser a melhor. E eu castiguei muito o meu corpo para que conseguisse ser aquilo que era suposto ser. Apercebi-me de que tinha de mudar e que não podia ser assim. Ter chegado ao feminismo foi quase aquilo que me fez subir a autoestima.  São quase que como sinónimos. Eu, por muitos complexos que tenha ainda hoje, já não quero voltar a ter o corpo que tinha, ou o corpo perfeito. Quero ter um corpo livre, quero aceitar o meu corpo e acho que é o feminismo que te dá as ferramentas para chegar a isso.

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Enquanto mulher, como é que vês os olhos do Hugo na questão do feminismo? 

Com o Hugo é muito fácil. Talvez no início ele não sabia bem o que dizer, mas eu falo-lhe de tudo e para mim é extremamente importante que ele goste de ouvir. 
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Tenho muitos amigos que acham que isto é só uma muda e não me dão ouvidos, mas é algo que me é mesmo muito importante. Talvez para o Hugo, que cresceu com figuras femininas, apenas com a sua mãe e avó, seja mais fácil entender e que tenho uma sensibilidade diferente ao assunto. Ele ouve-me, gosta de ouvir e não vem com o típico mansplaining do "Isso não é assim, eu sou homem e vou explicar-te isto ou aquilo". Eu não consigo lidar muito bem com essas coisas.

​​Isso é muito importante. O que mais me assusta é estar numa relação com alguém e sentir que a pessoa não vai acompanhar aquilo que eu penso. Acho também que não seja fácil encontrar um homem que esteja disposto a ouvir e a debater o feminismo com uma visão feminista.

​Sim, claro. Por isso é que é muito difícil conseguir explicar a alguém com uma mente mais fechada que o feminismo não é mau. Se a pessoa pensa o contrário e não vai ouvir, por muito que tu grites, ela não vai mudar porque não é ela que está numa posição de desvantagem na sociedade. Simplesmente não vai perceber que o feminismo serve para ajudar e não vai fazer mal a ninguém.

​"Quando tu não pagas por um produto, és tu que te estás a converter no produto."

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Mas achas que podemos dizer que existe uma minoria, também, de homens que não são machistas? ​

Evidentemente que não acredito que todos os homens do mundo sejam machistas. Mas desde que crescemos todos numa sociedade, ela própria machista e patriarcal, acredito que há muitas coisas que têm de ser mudadas nas mentes. Porque o sistema assim o obriga. Eu própria tive de aprender e desaprender muitas coisas. Um exemplo é quando alguém diz “São muito feministas, mas então o que acham daquelas festas em que os homens têm de pagar, mas as mulheres não?”. A questão é que isso continua a ser machismo. Quando tu não pagas por um produto, és tu que te estás a converter no produto. 

​Quão difícil é para ti ser mulher?

Muitas vezes penso que adoro ser mulher e que, por nada no mundo, ainda com todos os problemas que há, eu escolheria não nascer mulher. Não me quero repetir com o feminismo, mas reconforta-me pensar que existe esta comunidade, que existem pessoas com uma ideia comum que é lutar contra tudo o que está mal. O que quero dizer é que adoro ser mulher e seria mulher sempre, sempre, sempre. Mas é difícil. É difícil que tu, tendo as mesmas capacidades que um homem, tenhas que ganhar menos no teu trabalho. É difícil teres de aceitar o teu corpo porque tem de ser de uma determinada maneira. É difícil que vás pela rua com uma saia curta e que as pessoas digam que vais assim para que olhem para ti. Eu acabo por entrar no debate do “Ok, eu quero vestir este vestido, mas não quero que olhem para mim na rua e me digam coisas”, mas eu não quero deixar essas pessoas decidir aquilo que eu posso ou não fazer. Quando é mais difícil para mim ser mulher é à noite, quando tens de voltar sozinha para casa. Quando tento explicar isto a alguém, as pessoas acham que sou exagerada, mas essas mesmas pessoas também nunca irão sentir esse medo, de te cruzares com um homem na rua, que pode até não te fazer nada, mas que te obriga a estar sempre alerta. É uma realidade, há mulheres às quais acontecem coisas muito más por isso.
É bué triste e só quero que um dia isto mude. Vou acabar a chorar. [risos]
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Depois, começo a ouvir todas estas histórias sobre violações a miúdas em que: se se defendeu, foi assassinada; se não se defendeu, foi violada e deveria ter-se defendido.
​Estamos sempre submetidas a estes juízos de valor da sociedade, em que todos podem opinar sobre ti. Isto faz-me lembrar das discussões que tinha com o rapaz com quem vivia o ano passado. Ele dizia que as mulheres são muito mais invejosas. 
​
Tu nasces sendo invejosa? Não, é algo que tu aprendes. Há mais competitividade entre mulheres do que entre homens. E isso não é algo genético, é algo que tu aprendes. Eu gostaria muito que, no futuro, essa competitividade desaparecesse. É conseguir passar a mensagem de que ela é bonita e eu sou bonita também. Não tem que haver nenhum tipo de competição nisto. Isto é o ideal ao qual deveríamos chegar. Nós primeiro como mulheres. É aqui que começa a sororidade, porque todas nós sofremos com o mesmo problema.


​"O feminismo nunca vai fazer um holocausto de homens"


Eu acho apenas que sempre tive medo do termo [feminismo].

Eu também tinha. Mas há algo agora que me dá esperanças. Eu vejo miúdas bastante novas numa manifestação pelo nome da Juana Rivas. Muito, muito novas. Quando eu tinha quinze, dezasseis anos não era assim. E acho também que as redes sociais levam a que mais pessoas partilhem estas atitudes. e cheguem ao verdadeiro significado da palavra. Porque eu sinto mesmo que quando era adolescente também tinha medo do termo. Não percebia o seu significado, nem porque é que tinha de estar ligada a ele. Acho que isso chega, muda tudo o que tu tens na cabeça e começas a fazer muitas mais perguntas acerca de tudo. E isso é simplesmente lindo.

​Acabámos a discutir o conceito de Feminazi. 
​
Inma explicou-me que o termo surgira nos anos 90. Usado por Rush Limbaugh, este fazia a comparação entre as mulheres que lutavam pelo direito de abortar e o holocausto de Hitler. 

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​Acho que o feminismo nunca vai fazer um holocausto de homens [risos], mas às vezes sinto que a palavra se usa para tirar seriedade à luta e agora sinto-me mesmo muito mal de pensar que usava essa palavra. Na Espanha usamos a palavra hembrismo para falar do movimento radical, mas não podes falar de uma sociedade hembrista porque isso não existe.

​​Esta mulher é, para mim, a definição de sororidade.
​Esta é a mulher mais linda que conheço. 

capítulo 2
1 Comentário
David
20/1/2018 02:50:19 pm

adorei anjo! quero mais! beijos

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um enorme obrigada ao andré duarte pela arte e ao eduardo gonçalves pela fotografia.
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